A linguagem da arte na educação infantil tem um papel
fundamental, envolvendo os aspectos cognitivos, sensíveis e culturais. Até bem
pouco tempo o aspecto cognitivo não era considerado na educação infantil e esta
não estava integrada na educação básica. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação 9.394/96 veio garantir este espaço à educação infantil, bem como o da
arte neste contexto.
Para compreender a arte no espaço da educação infantil no
momento atual, mesmo que brevemente, é preciso situar o panorama histórico das
décadas de 80 e 90. Os referenciais que fundamentavam as práxis do profissional
da educação infantil eram os Cadernos de Atendimento ao Pré-escolar (1982),
criados pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC. Os textos destes Cadernos
para aquele momento histórico tiveram contribuição fundamental como subsídio
para as ações dos educadores atuantes na educação infantil. Entretanto, vale
ressaltar que pouco priorizavam o conhecimento, centrando-se apenas nas
questões emocionais, afetivas e psicológicas e nas etapas evolutivas da
criança. Com relação à arte na educação, os pressupostos eram muito mais
voltados à recreação do que às articulações com a arte, a cultura e a estética.
Como exemplo, é possível citar a ênfase em exercícios bidimensionais que
priorizava desenhos e pinturas chapadas. Ou seja, os conceitos sobre arte
resumiam-se a simples técnicas. De acordo com PILLOTTO (2000, 61) “é interessante
observar que esse Caderno, embora tenha uma fundamentação teórica voltada às
concepções do ensino da arte modernista, na sua essência é muito mais
tecnicista no que diz respeito aos exercícios repetitivos, mecânicos e sem a
preocupação com a reflexão dos conceitos”.
Na década de 90, o MEC lança o Caderno do Professor da
Pré-Escola, com uma abordagem contextualista, na qual a arte deixa de ser
tratada apenas como atividade prática e de lazer, incorporando o ato reflexivo.
Apesar dessas transformações, a arte permanecia ainda com foco em abordagens
psicológicas e temáticas. A arte na educação infantil nesta década ainda
buscava uma consistência teórica, conceitual e metodológica.
A partir de 2000 as discussões reflexivas sobre a arte na
educação infantil ganham novos espaços na literatura, nas propostas
curriculares e especialmente na pesquisa. É com este propósito que em 2002
iniciou-se na Universidade da Região de Joinville a pesquisa “O Programa
Institucional Arte na Escola e sua dimensão no ensino e aprendizagem da arte”.
O objetivo desta pesquisa é avaliar reflexivamente as ações dos programas de
educação continuada para profissionais da educação, no intuito de perceber os
aspectos frágeis com relação à arte no contexto escolar, diagnosticando a
realidade para construir coletivamente novas proposições.
A pesquisa tem apontado a necessidade de novos constructos
para a arte na educação infantil, no sentido de desenvolver práxis nas quais
haja a total integração do profissional da educação infantil, do profissional
da arte na educação, das crianças, da instituição e da comunidade. Esta
abordagem tem se mostrado eficiente e consolidada para a educação infantil na
Itália, sendo disseminada em outros países. Obviamente, entende-se que cada
espaço possui especificidades próprias que devem ser respeitadas. Portanto, a
ideia não é a de adotar modelos estrangeiros, mas de tê-los como possibilidade
de referência.
A partir desta pesquisa, a proposta é apontar constructos (a
curto, médio e longo prazos), nos quais cada instituição de educação infantil
tenha um profissional habilitado no ensino da arte, capaz de desenvolver
projetos pedagógicos em parceria com os demais educadores, enfatizando os
aspectos cognitivos, sensíveis e culturais em arte.
Nesta perspectiva, entende-se por novos constructos propostas
que partem de uma visão de currículo não linear ou sistêmico, considerando o
contexto histórico-social, as necessidades e interesses das crianças, no qual
educadores, crianças, instituição e comunidade desenham um currículo que parte
do trabalho coletivo.
O planejamento no currículo, a partir da perspectiva
sistêmica, pressupõe como método de trabalho no qual professores “apresentam objetivos
educacionais gerais, mas não formulam objetivos específicos para cada projeto
ou atividade de antemão. Em vez disso, formulam hipóteses sobre o que poderia
ocorrer com base em seu conhecimento das crianças e das experiências
anteriores.” (RINALDI: 1999,113).
A partir desta visão, especificamente para a arte na educação
infantil está o educador em arte, que atua em consonância com os demais
educadores da instituição, aprofundando conceitos e linguagens da arte. A
função do profissional em arte na educação não é simplesmente ministrar aulas
fragmentadas de arte, mas, sobretudo de organizar um espaço de cultura que
possibilite a ampliação das expressões e das linguagens da criança. No que este
espaço contribui? “Ajuda para que os professores compreendam como as crianças
inventam veículos autônomos de liberdade expressiva, de liberdade cognitiva, de
liberdade simbólica e vias de comunicação”. (VECCHI: 1999, 129)
Como historicamente pode-se observar, a arte na educação
infantil possuía um perfil de recreação e de desenvolvimento emotivo e motor.
Hoje, a arte na educação infantil está em processo de rupturas e
transformações, exigindo das políticas educacionais, dos cursos de Formação de
Professores, especialmente das Licenciaturas em Arte, um comprometimento com os
aspectos cognitivos, sensíveis e culturais.
Cabe então, a todos os profissionais que atuam direta ou
indiretamente com o ensino da arte, uma reflexão não somente dos processos de
sala de aula, mas também do seu papel como cidadãos, protagonistas de uma
história.
Referências bibliográficas
GANDINI. Lella & EDWARDS, Carolyn. Bambini: a abordagem
Italiana à educação infantil. Trad. Daniel Etcheverry Burguño. Porto Alegre:
ArtMed, 2002.
EDWARDS, C., GANDINI, L., FORMAN, G. As cem linguagens da
criança: abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto
Alegre: ArtMed, 1999.
PILLOTTO, Silvia S.D. A trajetória histórica das abordagens
do ensino e aprendizagem da arte no contexto atual. Revista Univille, V.5, n.1,
abr, 2000.
RINALDI, Carlina. O Currículo Emergente e o Construtivismo
Social. IN: EDWARDS, C., GANDINI, L., FORMAN, G. As cem linguagens da criança:
abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre:
ArtMed, 1999.
VECHI, Vea. O Papel do Atelierista. IN: EDWARDS, C., GANDINI,
L., FORMAN, G. As cem linguagens da criança: abordagem de Reggio Emilia na
educação da primeira infância. Porto Alegre: ArtMed, 1999.
*Silvia Sell Duarte Pillotto, Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Paraná e Doutoranda em Engenharia da Produção (Gestão)
na Universidade Federal de Santa Catarina, é professora dos Departamentos de
Artes Visuais e Pedagogia na Univille, além de coordenadora pedagógica do Pólo
Arte na Escola e coordenadora da pesquisa "O Programa Institucional Arte
na Escola na região de Joinville e sua dimensão no ensino e aprendizagem da
arte". Letícia Mognol, Mestranda em Educação na Universidade do Vale do
Itajaí, é professora do Departamento de Artes Visuais da Univille e
pesquisadora do mesmo projeto.
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